segunda-feira, 28 de abril de 2008

#21 - Metades, fases e faces


A noite já havia deitado a escuridão sobre as ruas daquela remota aldeia de pescadores. Alguns pequenos focos de luz procuravam vencer as trevas, em alguns casebres, e principalmente no precário bar da região. Lá dentro os homens jogavam conversa fora, aqui e ali.

- Chegou um cara esquisito aqui esses dias, cê viu? – pergunta um deles ao companheiro que dividia a mesa e uma cerveja.
- Fora de temporada? Vi não...

Instantes depois entra no local uma figura tranqüila e resoluta, cabelos grandes e barba espessa. Trazia os olhos profundos mais tristes do que o sorriso que parecia querer brotar de seus lábios.

- Olhaí o próprio! – cochichou o primeiro.
- Que cara esquisito... Parece daqueles poeta solitário que vive cantando nossas mulhé.
- Ah... se ele vier com esses papo... – era tarde demais, pois o assunto dirigia-se até os dois.
- Boa noite! Posso me sentar? – pediu com gentileza o “poeta solitário”.
- Pode sim, claro – disseram os dois.

Após as primeiras apresentações, e algum silêncio, um dos nativos pergunta, no meio de um gole:

- Então... que anda fazendo por essas bandas sozinho?
- Nada de mais – respondeu, com certa tristeza. – Acho que fugindo de alguma coisa.

O par da região entreolhou-se, compreendendo algo.

- Ah... tá numa fase ruim, é?
- Bom... acho que não temos fases... temos faces.

Outro olhar foi trocado pelos matutos, este mais longo e pesado. Em seguida, o homem pediu licença e apontou para o balcão, para onde dirigiu-se.

Pediu algo ao velho que atendia, pouco antes de virar o rosto, dar “Boa noite” e puxar papo com os figuras ao seu lado.

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Oswaldo Montenegro compôs música e letra da canção a seguir, que talvez seja uma das mais belas obras que postarei aqui em muito tempo. Melodia intensa, harmonia perfeita e poesia deliciosa e precisa:

- Oswaldo Montenegro – “Bandolins”:
http://www.youtube.com/watch?v=VqBj0BPZ3dU

Bom proveito!

sexta-feira, 25 de abril de 2008

#20 - As Belas Feras


Era praticamente impossível sair ileso à seqüência de abertura da animação “A Bela e a Fera”, da Disney. E as discussões a respeito de tamanha mágica inquiriam a narrativa, a beleza das imagens, mas as conclusões sempre acabavam caindo, em especial, na música que percorre a cena. O que poucos sabem (méritos à parte ao veteraníssimo compositor Alan Menken) é que o real responsável pela composição da música em questão é um mestre francês, já falecido desde 1921.

A obra utilizada na abertura de “A Bela e a Fera” é uma das partes da suíte “Carnaval dos Animais”, de Camille Saint-Saëns. A diferença consiste apenas numa aceleração do desenho melódico principal, e a não utilização de algumas variações da original. A parte em questão chama-se “Aquarium”, uma pequena obra-prima de impressionante mistério e encantamento.

Camille Saint-Saëns foi bastante criticado pelos eruditos de sua época, já que muitas de suas obras eram consideradas simplórias e de fácil execução. A verdade é que Camille era mais um “excitado” do que um “sentimental”. Ao compor, buscava texturas, cores e mágica, através do inusitado resultante da expressividade, e não da erudição.

Posto também a parte mais famosa de “Carnaval dos Animais”, chamada “O Cisne” (talvez a melodia mais conhecida de Saint-Saëns).

Links:

-Aquarium:
http://www.youtube.com/watch?v=AsD0FDLOKGA

-O Cisne:
http://www.youtube.com/watch?v=8VxmaZFms_E&feature=related

-Abertura de “A Bela e a Fera”:
http://www.youtube.com/watch?v=i9i3xWTEKIk&feature=related

Bom proveito!

segunda-feira, 21 de abril de 2008

#19 - A Gênese: Reunião e Explosão


O frio da Inglaterra reforçava os cinzentos humores do contingente discente e docente da conceituada escola Charterhouse. No meio de uma multidão de garotos alienados pela castradora disciplina do local, um trio reunia-se para criar músicas de rock, a contragosto de seus pais.

Era meados de 1967 e o propósito inicial de Peter Gabriel (voz e flauta), Mike Rutherford (baixo) e Tony Banks (teclados), era compor canções para vendê-las a artistas e gravadoras. Como ninguém queria comprá-las, decidiram eles próprios formarem uma banda e pô-las em prática. Assim surgiu o Genesis, que viria a tornar-se uma das melhores bandas de rock progressivo de todos os tempos. Duas tragetórias, no entanto, muito chamam a atenção na carreira do Genesis. São os dois gênios musicais Peter Gabriel e Phil Collins.

O vocalista Peter Gabriel era uma atração à parte em todos os shows da banda, imprimindo com maestria o elemento teatral às apresentações, ao ponto de os outros membros questionarem o uso de tais recursos.

Phil Collins, por sua vez, pode ser apresentado apenas mencionando-se que durante os testes do Genesis para encontrar o primeiro baterista, os outros integrantes já sentiram que era ele o cara ideal, após verem-no simplesmente tomar as baquetas e sentar-se à bateria.

O Genesis seguiu firme e forte por um tempo, após uns trancos e barrancos iniciais, até que Peter Gabriel decidiu deixar o grupo, querendo dedicar-se mais à vida pessoal. Ele chegou a admitir, muitos anos depois, que sentiu intensos ciúmes com o fato do Genesis ter estourado no mundo inteiro logo após sua saída, afinal, esperava que sua ausência tivesse maus impactos. E boas surpresas coloriram esta transição, já que Phil Collins, o baterista, assumiu os vocais. Isto ocorreu pois ao comandar os testes na busca de um cantor novo, ele sempre mostrava aos candidatos como cantar, e na verdade sempre cantava melhor que todos. Sob o comando de Phil, o Genesis foi aos poucos tomando um aspecto mais pop, fato que agradou a muitos e desagradou fãs mais conservadores.

Após anos de constante ascendência, Phil começa a enfrentar sérios problemas pessoais, e pede ao grupo para que possa fazer uma pausa, até que consiga resolver-se. Sua esposa, desagradada com sua constante ausência pelas turnês, queria divórcio. Phil fez o possível para recuperar o casamento, mas a mulher, por fim, optou pela separação. Entristecido, o cantor passou uma temporada isolado em uma casa, e escreveu diversas cartas para a mulher. Decidindo-se por não enviá-las, foi compondo canções com elas(http://www.youtube.com/watch?v=jXBuhk-8sWs), até que o produtor do Genesis, em uma visita, ouviu as mesmas e aconselhou-o a gravar um álbum. Assim começou a muito exitosa carreira solo de Phil Collins, como cantor pop. Suas músicas ganharam não só temática romântica, mas também crítica social, como no hit (http://www.youtube.com/watch?v=ftlYLcEW_I4&feature=related).

Paralelamente, o ex-Genesis Peter Gabriel estourava nas paradas (também como cantor pop) com um hit cujo clipe tornou-se um marco, tamanha sua criatividade. Tratava-se da maravilhosa “Sledgehammer” (http://www.youtube.com/watch?v=hqyc37aOqT0)

Nos links a seguir poderemos analisar alguns aspectos da grande mudança de estilo ocorrida no Genesis desde seu início até seus momentos finais:

-Genesis - Firth of Fifth (da era Peter Gabriel, é uma das criações mais incríveis da banda, em que podemos sentir a capacidade criativa do tecladista Tony Banks. Destaque para o apoteótico solo de guitarra em 6:25, do lendário Steve Hackett):
http://www.youtube.com/watch?v=5vtfLIxV7uo

-Genesis – Mama (da era Phil Collins mais adiantada. A música fala sobre a atração de um jovem por uma prostituta mais velha. Ela tem um aspecto eletrônico, e sua intensidade é uma crescente hipnótica):
http://www.youtube.com/watch?v=lx7ENNe5VhY

-Solo de Bateria (Phil Collins mostrando o que sabe, em dueto com Chester Thompson):
http://www.youtube.com/watch?v=XUR4k0LyTdc&feature=related

Bom proveito!

#18 - Dó-Ré-Mi (ou com quantas notas se faz um clássico)


Um trem cortava a noite, indo do vilarejo de Tyrol (Áustria) para Viena. Dentro dele, uma mulher grávida estava dando à luz uma menina que não pôde esperar mais para chegar ao mundo. Era Janeiro de 1905, e assim nasceu Maria Kutschera, que sete anos adiante tornaria-se órfã, e já adulta, noviça e professora de canto, casaria-se com o viúvo Georg Ritter von Trapp tornando-se madrasta de seus sete filhos.

A partir daí teve início a história do grupo vocal Trapp Family Choir, que não só tornou-se um livro, mas também um musical da Broadway, estreando em 1959 com absoluto sucesso. Poucos anos depois, a empreitada transformaria-se num dos maiores clássicos da história do cinema, em “A Noviça Rebelde” (“The Sound of Music”). O filme trouxe as antológicas canções criadas pela veterana dupla Richard Rodgers (música) e Oscar Hammerstein II (letra).

Entre os diversos números musicais do filme, alguns ganharam ainda maior fama, sendo executados exaustivamente nas rádios do mundo todo, como a canção “Do-Re-Mi”. Nesta, Rodgers consegue, com uma simplicidade absurda – utilizando somente as sete notas básicas – compor uma melodia que em certo ponto parece uma orquestra com dezenas de elementos. Ela é executada na cena em que a noviça tenta ensinar as sete crianças a cantar, e o que começa como uma simples lição de “dó-ré-mi” vai aos poucos tornando-se um número musical de tirar o fôlego.

O filme foi premiado com os Oscars de: Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Montagem, Melhor Som e (claro) Melhor Trilha Sonora.

Além de linkar a canção “Do-re-mi”, trago também “My Favourite Things”, uma belíssima criação para a cena em que a cama da noviça é invadida por um exército de crianças amedrontadas com os trovões.

Links:

“Do-Re-Mi”
http://www.youtube.com/watch?v=Wc99NJn_Pj4

“My Favourite Things”
http://www.youtube.com/watch?v=sRewk6dQozA&feature=related

Bom proveito!


DO-RE-MI (A letra está parcialmente traduzida, e com esclarecimentos que julguei interessantes pra se entender a lógica da canção):

“Vamos começar bem do início
Um bom lugar pra se começar
Quando você lê começa por:
‘A-B-C’
Quando canta você começa por do-re-mi
‘Dó-ré-mi’
Dó-ré-mi
As primeiras notas acontecem assim:
Dó-ré-mi
‘Dó-ré-mi’
Dó-ré-mi-fá-sol-lá-si...

- Ah… deixa eu ver se consigo facilitar:
Doe, a deer, a female deer ("do" pronuncia-se como “doe”, e refere-se a um cervo fêmea)
Ray, a drop of golden sun (“re” se pronuncia como “ray”, que significa raio, uma gota do sol dourado)
Me, a name I call myself (“me” é o mesmo que “eu”, “o nome pelo qual me chamo”)
Far, a long long way to run (“fá” soa parecido com “far” que significa “longe”, uma grande distância a percorrer)
Sew, a needle pulling thread (“so” pronuncia-se como “sew”, referindo-se ao ato de costurar com agulha e linha)
La, a note to follow sew (“la” é apenas referida como a nota que segue “sol”)
Tea, I drink with jam and bread (“ti”, a nota “si”, pronuncia-se como “tea” que é chá, e o verso fala em chá com pão e geléia)
That will bring us back to do... (e em seguida volta-se ao “dó”)."

segunda-feira, 14 de abril de 2008

#17 - Entre a chama mística e a água de chuva


… E quem iria condenar o garotinho que viciara em versos e rimas? Se Pernambuco toda bebia do mesmo pecado... Assim cresceu José Paes de Lira, declamador e músico arcoverdense, entre teatros e afins, esbanjando energia e paixão entre histórias e estórias em verso.

Em 1997, já adulto, criou um espetáculo teatral que era basicamente um apanhado de textos regionais, entremeados por algumas músicas. A empreitada fez muito sucesso, e ganhou apresentações por todo o interior de Pernambuco.

Com o passar do tempo, a música foi ganhando mais e mais espaço, e em 2001 o Cordel do Fogo Encantado (nome do primeiro espetáculo, adotado efetivamente pelo grupo) entrou em estúdio para gravar o primeiro CD, de mesmo nome. Foi então que o Cordel ganhou projeção nacional, ao passo que suas apresentações ao vivo fulminavam as platéias com uma energia humana e sonora além do comum.

Discordo bastante daqueles que afirmam ser o Cordel um dos maiores representantes da cultura musical brasileira. Apesar disso ter lá sua grande verdade, acredito que os elementos de sua música que são decisivos no ganho de público são justamente os que vêm de outras culturas: a africana (na percussão), e a espanhola/argentina (em muitos dos arranjos de violão), muito embora possamos justificar que a cultura brasileira é exatamente um misto de culturas.

Laureado com diversos prêmios, como: banda revelação pela APCA, melhor grupo pelo BR-Rival, Caras, TIM, Qualidade Brasil e o bi-campeonato do Prêmio Hangar, o Cordel, hoje, já prioriza 100% a música. Até antes de 2006, concebiam primeiro um contexto teatral, para depois criarem as canções.

- Chover (ou invocação para um dia líquido)
http://www.youtube.com/watch?v=9I4pUXeJKAI&feature=related (ao vivo)
http://www.youtube.com/watch?v=wVRO4CnzGzU (clipe)

- Palhaço do Circo Sem Futuro
http://www.youtube.com/watch?v=a0MuxMjY1vo (ao vivo)

Bom proveito!


Chover (ou invocação para um dia líquido)

"O sabiá no sertão
Quando canta me comove
Passa três meses cantando
E sem cantar passa nove
Porque tem a obrigação
De só cantar quando chove

Chover chover
Valei-me Ciço o que posso fazer
Um terço pesado pra chuva descer
Até Maria deixou de moer
Banzo Batista, bagaço e banguê

Chover chover
Cego Aderaldo peleja pra ver
Já que meu olho cansou de chover
Até Maria deixou de moer
Banzo Batista, bagaço e banguê

Meu povo não vá simbora
Pela Itapemirim
Pois mesmo perto do fim
Nosso sertão tem melhora
O céu tá calado agora
Mais vai dar cada trovão
De escapulir torrão
De paredão de tapera

Bombo trovejou a chuva choveu

Choveu choveu
Lula Calixto virando Mateus
O bucho cheio de tudo que deu
suor e canseira depois que comeu
Zabumba zunindo no colo de Deus
Inácio e Romano meu verso e o teu
Água dos olhos que a seca bebeu

Quando chove no sertão
O sol deita e a água rola
O sapo vomita espuma
Onde um boi pisa se atola
E a fartura esconde o saco
Que a fome pedia esmola

Seu boiadeiro por aqui choveu
Seu boiadeiro por aqui choveu
Choveu que amarrotou
Foi tanta água que meu boi nadou.”

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Escutar Música & Ouvir Música


Em algumas conversas com amigos (especificamente as que motivaram a criação desta série de postagens), de tempos atrás, parecia surpreende-los eu dizer que detestava ouvir música enquanto fazia outras coisas. Em suma, que gostava mesmo é de dedicar exclusividade ao ato de ouvir música.

A princípio isto pareceu uma mera característica, mas passei a questionar o quanto prejudica nossa capacidade de percepção, concentração e sensibilidade o hábito terrível (e ingenuamente elogiado como “moderno”) que nós temos de fazer várias coisas ao mesmo tempo.

Na verdade, se eu tentar pensar neste exato momento em alguém entre meus conhecidos que tenha o costume de dedicar algum tempo somente para ouvir música, não vou lembrar de uma alma sequer... O que vejo por toda a parte são pessoas enfiando melodias no ouvido enquanto correm pela rua, dormem no ônibus, lêem(!), conversam ou curtem com os amigos etc..

A música atualmente é um mero acessório secundário, e não é à toa que nossa sensibilidade e capacidade de percepção estejam cruelmente atrofiadas, fato que constata-se facilmente observando o entretenimento de massa; o cinema, por exemplo, cujos filmes “pipoca” precisam ter cenas cada vez mais chocantes e explosivas, sons cada vez mais altos e sofisticados pra que a platéia sinta um mínimo de “cócegas” em seus espíritos, e cujos diretores precisam inventar formas mais esquisitas de bagunçar imagens, trepidar câmeras e misturar pirotecnias pra atordoar o público e ser chamado de “o novo gênio”.

Estamos vivenciando um momento crítico na arte, já que o propósito primordial da cultura de massa é causar sensações em vez de sentimentos, e chocar ou excitar em vez de emocionar. Amar é sinônimo de fazer sexo, dizem nossas grandes "estrelas", e nós só acreditamos porque é fácil... a aspirina da alegria instantânea.

Ainda que mergulhados neste pântano de miojos artísticos, sabemos sentir o outro lado, ainda que não conscientemente, e aí devemos agarrar nossas esperanças... Por que ainda conseguimos nos encantar às lágrimas com “Como Era Verde Meu Vale”, ou com “Ladrões de Bicicletas”, ou com o inacreditável e paradoxal minimalismo de “Perfume de Mulher”? Porque a riqueza neles volta-se ao humano. Neles, as câmeras não tremem, e podemos ver as pessoas. Os efeitos inexistem, e podemos sentir as pessoas. Assim o é porque a obra nunca supera o criador, e porque algumas obras tem o privilégio de mostrar os criadores. E porque a humanidade ainda nada conhece de mais belo que o espírito humano e a natureza.

A música é o caminho mais curto e direto de que nós dispomos para obter contato conosco mesmos, com nossa essência e todo o nosso conteúdo. E será que é por isso que nos distraímos enquanto a ouvimos? Por medo de ter consciência de nossos conflitos e receios? Nós, seres tolos e infelizes, temos tanto medo assim da cura?...

segunda-feira, 7 de abril de 2008

#16 - O lado experimental dos Beatles


Os últimos meses do ano de 1966 foram o início de um marco na história do rock.

John Lennon entraria no estúdio, para encontrar seus companheiros de banda, com uma fita onde gravara algo que gostaria de mostrar. Começava aí a gravação da primeira música que integraria o histórico álbum “Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band”.

John havia composto uma canção que falava sobre um orfanato em cujos campos costumava brincar quando criança. O lugar chamava-se “Strawberry Fields”, era mantido pelo Exército da Salvação e ficava bem próximo de onde Lennon morava.

A conclusão da gravação da música “Strawberry Fields Forever” não foi nada fácil. Dezenas de versões foram tentadas, e uma centena de takes experimentados. Foi então que Lennon pediu ao engenheiro de som George Martin que completasse a música juntando dois takes, que eram seus preferidos. Aparentemente seria uma tarefa comum de edição, mas havia um problema: os dois takes eram muitíssimo diferentes, inclusive na velocidade e tonalidade.

George informou a Lennon da impossibilidade da junção, mas o beatle apenas disse tranquilamente: “ah… eu sei que você pode dar um jeito nisso…” E George arranjou um jeito. Modificou a velocidade de um dos takes, de modo apenas a equiparar a tonalidade, e assim a canção foi concluída.

Strawberry Fields Forever” é sem dúvida uma música bastante apreciada, mas tenho a impressão de que não é tanto quanto poderia. Em opinião pessoal, não sei dizer quanto da integridade da idéia musical perdeu-se em meio ao experimentalismo instrumental que marcou não só a ela, mas todo o “Sgt. Pepper’s”.

Propondo esta reflexão, postarei não só o link para o original, mas também uma versão talvez mais “pura”, feita pelo competentíssimo Ben Harper, em trabalho que integrou a trilha sonora do comovente filme “I’m Sam” (“Uma Lição de Amor”). O filme conta a história de um homem com problemas mentais que acaba tendo acidentalmente uma filha, e vê-se diante da tarefa de cuidar dela praticamente sozinho. Toda a trilha do mesmo é composta por canções dos Beatles, e a diretora afirma que assim o quis pois ao entrevistar diversos doentes mentais, percebeu que praticamente todos eles tinham os Beatles como banda favorita.

Links:

- Strawberry Fields Forever (reparem a diferença brusca que ocorre em 1:00, onde provavelmente foi feita a junção dos takes)
http://www.youtube.com/watch?v=Ywg-PdeGVL0

- Versão de Ben Harper
http://www.youtube.com/watch?v=Lcn1-6eWR98
http://www.youtube.com/watch?v=uxMzYVZmGos (cena do filme com a música)

- Michelle (essa vai de lambuja, porque foi a primeira música dos Beatles que toquei, aos onze anos):
http://www.youtube.com/watch?v=_Xl8YtgDAKc

Bom proveito!


“Let me take you down, 'cause I'm going to Strawberry Fields.
Nothing is real and nothing to get hung about.
Strawberry Fields forever.
Living is easy with eyes closed, misunderstanding all you see.
It's getting hard to be someone but it all works out.
It doesn't matter much to me.
Let me take you down, 'cause I'm going to Strawberry Fields.
Nothing is real and nothing to get hung about.
Strawberry Fields forever.
No one I think is in my tree, I mean it must be high or low.
That is you can't you know tune in but it's all right.
That is I think it's not too bad.
Always no sometimes think it's me, but you know I know when it's a dream.
I think I know I mean "Yes," but it's all wrong.
That is I think I disagree.”

quinta-feira, 3 de abril de 2008

#15 - "Que puxa..."


Encantado pelas geniais e filosóficas tirinhas de “Peanuts” (escritas e desenhadas pelo artista norte-americano Charles Schulz) o produtor Lee Mendelson via-se diante de uma preocupante reflexão. Não tinha qualquer idéia do que deveria ser a ambientação musical de um documentário que estava criando.

Este documentário chamaria-se “A Boy Named Charlie Brown”, e falaria sobre o pior jogador de beisebol de toda a história (Charlie Brown, é claro).

Certo dia, estando dentro de um taxi, Lee Mendelson ouviu no rádio um maravilhoso jazz, e viu ali a resposta para suas dúvidas. Esta música chamava-se “Cast Your Fate to the Wind”, vencedora do Grammy em 1963, e composta pelo jazzista e pianista Vince Guaraldi.

Assim deu-se o primeiro contato entre Mendelson e Guaraldi. Este mostrou imenso interesse pelo projeto, e em menos de duas semanas executou pelo telefone uma versão do que seria a belíssima música ícone de um dos desenhos animados mais criativos e famosos de todos os tempos: “Linus and Lucy”, para a série animada “Charlie Brown and Snoopy Show”.

O estilo lúdico, direto, e ao mesmo tempo emotivo de Vince deram ao desenho uma profundidade e riqueza únicas, gerando um trabalho aclamado, regravado e homenageado por diversos jazzistas e músicos do mundo todo.

Vince Guaraldi nasceu em 17 de Julho de 1928, em São Francisco – Califórnia. Apesar de atuar como pianista desde cedo, sua primeira gravação foi lançada apenas em 1953, quando então já tinha tocado e composto com todos os grandes nomes do jazz da época.

Vince morreu extremamente jovem, aos 47 anos, num repentino ataque cardíaco, um dia após concluir seu trabalho para o especial “É o Dia da Árvore, Charlie Brown”.

As músicas apresentadas são: “Linus and Lucy”, o tema mais famoso da série; e “Greensleeves”, a música clássica em uma versão cuja sensibilidade chega a tirar o fôlego (esta precisou ser disponibilizada no 4shared).

- Linus and Lucy:

#14 - O Confeiteiro Musical


Edvard Hagerup Grieg (Bergen, 15 de Junho de 1843Bergen, 4 de Setembro de 1907) é o mais célebre compositor norueguês, um dos mais célebres do período romântico e do mundo.

Como praticamente todos os gênios musicais, exerceu e estudou música muito cedo, por volta dos seis anos de idade.

Pode-se dizer que Grieg não teve uma carreira musical tão conturbada quanto muitos dos expoentes a que se pode agrupá-lo. Porém, sua personalidade tendia a uma introspecção depressiva, e a muitos espantava ouvi-lo dizer categoricamente que a natureza ou as paisagens deslumbrantes de sua terra não lhe diziam nada, e em nada o inspiravam. Ainda assim, paradoxalmente, suas composições são tão expressivas que chegam a transbordar tais cenários, sensações e sentimentos.

Grieg não era dado a composições longas, cheias de aproveitamentos e variações. Preferia as idéias mais diretas, e o grande pianista e compositor Franz Liszt chegou a dizer que suas músicas pareciam "bolinhos de chocolate com cobertura de creme". Uma imagem deveras sugestiva e ao menos intrigante...

As músicas apresentadas são: o terceiro movimento do “Concerto para Piano em Lá Menor”, e uma famosa composição da “Suíte Peer Gynt II”.

A primeira integra o mais conhecido concerto composto por Grieg; é uma obra belíssima, expressiva, e em especial neste movimento parece uma ascendência constante. Tristemente, poucos dias após a estréia deste concerto, Grieg perde a primeira filha, ainda bebê.
http://www.youtube.com/watch?v=LZi5OHcCld0&feature=related

A segunda (Solvejg Sang) é uma composição romântica, feita para uma peça teatral; especificamente para uma cena em que o protagonista (Peer Gynt) apaixona-se, numa festa, pela única moça que aceita dançar com ele.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

#13 - Sobre sal e pedras.


Era o ano de 1967. Numa sala tranquila, de suficiente privacidade, a diva brasileira Elis Regina ouvia um certo cantor e compositor a apresentar suas músicas, já que ela buscava material para um novo disco.

O humilde rapaz havia praticamente esgotado seu repertório diante de Elis, sem que ela parecesse especialmente interessada em alguma de suas criações. Quando tudo parecia acabado, Elis insiste: “Você não tem mais nada mesmo?”.

Um tanto assustado e tímido diante de tão admirável cantora, o moço resolveu que não tinha nada a perder, e resolveu mostrar uma canção ainda não totalmente pronta. Poucos instantes após começar a ouvi-lo, ela grita: “É essa, meu Deus! É essa!”.

Este moço era Milton Nascimento, e a admirável música chama-se “Canção do Sal”.
Milton Nascimento nasceu no Rio de Janeiro, em 26 de Outubro de 1942. Teve pais muito pobres e acabou sendo adotado por uma família que muito o incentivou artisticamente. Iniciou carreira como cantor de bailes aos 13 anos.

Cantou com dúzias de outros artistas, incluindo Angra, Maria Bethânia, Elis Regina, Gal Costa, Jorge Ben Jor, Caetano Veloso, Simone, Chico Buarque, Clementina de Jesus, Gilberto Gil, Sandy & Junior, Paul Simon, Peter Gabriel (com quem co-escreveu a música Breath after Breath do Duran Duran), Herbie Hancock, Quincy Jones e Jon Anderson.
Aproveito também para indicar outra obra-prima de Mílton. A canção pela qual, talvez, ele tenha tornado-se referência mundial na música (sem qualquer exagero), principalmente nos anos 60 e 70: "Travessia".


-Canção do Sal

"Trabalhando o sal é amor é o suor que me sai
Vou viver cantando o dia tão quente que faz
Homem ver criança buscando conchinhas no mar
Trabalho o dia inteiro pra vida de gente levar

Água vira sal lá na salina
Quem diminuiu água do mar
Água enfrenta sol lá na salina
Sol que vai queimando até queimar

Trabalhando o sal pra ver a mulher se vestir
E ao chegar em casa encontrar a família sorrir
Filho vir da escola problema maior é o de estudar
Que é pra não ter meu trabalho e vida de gente levar"


-Travessia

“Quando você foi embora fez-se noite em meu viver
Forte eu sou mas não tem jeito, hoje eu tenho que chorar

Minha casa não é minha, e nem é meu este lugar
Estou só e não resisto, muito tenho prá falar

Solto a voz nas estradas, já não quero parar
Meu caminho é de pedras, como posso sonhar
Sonho feito de brisa, vento vem terminar
Vou fechar o meu pranto, vou querer me matar

Vou seguindo pela vida me esquecendo de você
Eu não quero mais a morte, tenho muito que viver
Vou querer amar de novo e se não der não vou sofrer
Já não sonho, hoje faço com meu braço o meu viver

Solto a voz nas estradas, já não quero parar
Meu caminho é de pedras, como posso sonhar
Sonho feito de brisa, vento vem terminar
Vou fechar o meu pranto, vou querer me matar”

#12 - "Hey, Blondie!"


Ennio Morricone é uma lenda viva na música para cinema, nascido em Roma, a 10 de Novembro de 1928.

Compôs trilhas para mais de 400 filmes, e embora tenha sido indicado diversas vezes ao Oscar, nunca levou a estatueta. Em 2007 recebeu, então, o prêmio honorário da academia por sua carreira.

É autor de inúmeros temas antológicos, mas talvez sua maior marca no cinema tenha sido a de causar uma revolução extrema e definitiva nos “westerns”. Sua trilha para o filme “The Good, The Bad and The Ugly” (no Brasil: “Três Homens em Conflito”), talvez o western mais genial já feito, foi tão inusitada e ousada que virou a marca predominante do gênero.

Trago então um dos temas deste filme. A música chama-se “The Ecstasy of Gold”, e marca uma cena frenética, onde um dos personagens corre por entre centenas de covas, a procura de uma delas onde acredita estar uma fortuna em ouro.

A outra composição sugerida é um dos temas românticos mais bonitos e conhecidos, feito para um filme que é marco na história da sétima arte: “Cinema Paradiso”. O que muitos não sabem é que a música “Love Theme” é na verdade de autoria do filho de Ennio Morricone, Andrea. A cena que pode-se assistir no link é antológica, e mostra o protagonista assistindo a uma montagem com diversos takes de beijos e cenas românticas de filmes antigos. Já é belo demais por si mesmo, mas quem ainda não assistiu ao filme certamente não perceberá a profundidade de significado que ela tem... Portanto, vão atrás!

Links:

The Ecstasy of Gold

terça-feira, 1 de abril de 2008

Avisos Importantes

Olá, amigos e amigas.

Gostaria de avisar que estas postagens são fruto de uma série de e-mails que eram enviados somente para a minha lista. Agora são postadas nesta página (para que qualquer um possa ler e ouvir) e pelo fato de já haver certo número de "edições" prontas, a atualização será bem constante pelos próximos dias. Em seguida, as postagens passarão a ser semanais.

Aqueles que quiserem receber notificação por e-mail a respeito de atualizações, podem me escrever (barcamor@yahoo.com.br)

Aproveito também para divulgar o maravilhoso trabalho teatral do qual tenho a honra e felicidade de fazer parte, como compositor da trilha. Trata-se do espetáculo "O Amor Jamais Te Esquece", uma peça teatral que tem causado inigualável transformação no coração dos espectadores, tendo em sua trama algo que modifica drasticamente os paradigmas da moral humana.

Em tempos onde a arte tornou-se um meio para banalização do que de pior existe no mundo, onde destruir a esperança das pessoas tornou-se "artístico", a Cia Operários do Palco consolidou-se em São Paulo como um oásis de esperança na arte teatral, graças sobretudo ao profissionalismo de toda a equipe e ideal de renovação desta tão deturpada forma de expressão.

Aqueles que desejarem obter informações, basta acessar ao link "Operários do Palco", logo à esquerda desta página. E trechos da trilha sonora podem ser ouvidos clicando em "Meu Trabalho" (sendo as 4 primeiras músicas)

Um grande abraço a todos!

#11 - "Pessoas dizendo sem falar... Pessoas ouvindo sem escutar."


Em 1953, Nova York, dois jovens colegiais conheceram-se enquanto interpretavam os peculiares personagens da peça “Alice no País das Maravilhas”. Tendo em comum o gosto pela música, Paul Simon e Arthur ‘Art’ Garfunkel juntaram-se para cantar e tocar.

Começava aí a história de uma dupla folk antológica: Simon & Garfunkel.

A música “The Sound of Silence” foi composta para o primeiro álbum acústico, lançado em 1964. Como não houve repercussão, e as vendas foram muito ruins, Paul Simon partiu para a inglaterra, tentando embrenhar-se no circuito folk local. Mas sua empreitada durou pouco, e no ano seguinte, para sua surpresa, retornou a Nova York e encontrou a canção “The Sound of Silence” no topo das paradas, numa versão engordada com guitarras, baixo e bateria. Com este novo fôlego, a dupla uniu-se novamente e deu-se então a brilhante tragetória.

Cheguei a esta canção por intermédio de um filme honônimo, “O Som do Silêncio”, que conta a estória de um garoto que visita com a escola uma base militar com bombas nucleares. Chocado com aquela realidade, ele ingenuamente nega-se a jogar beisebol enquanto as bombas não sejam desarmadas. A partir daí, o que seria um gesto inútil de uma criança desconhecida toma proporções cada vez maiores. Um pequeno jornal local divulga a notícia do protesto do menino. Tal jornal chega às mãos de um astro do basquete, e este, comovido, adere ao protesto, negando-se a jogar. Em alguns dias, o mundo todo vê-se dominado por uma onda de silêncio.

A outra música anexada, “Bookends Theme”, é uma pequenina canção que muito marcou um dos momentos mais belos da série “Anos Incríveis”, em que o Kevin e Paul, amigos inseparáveis, brigam por conflitarem num momento muito intenso da vida de Paul, em que ele realizará seu Bar Mitzvah (ritual judaico que marca a entrada na vida adulta). No fim do episódio, sem qualquer explicação, Kevin simplesmente aparece na festa para contemplar o amigo, e dá-se uma cena em câmera lenta, mostrando cenas da festa ao som desta canção, que diz: “foi-se um tempo de inocência, um tempo de confidências. Deve ter sido há muito tempo, eu tenho uma fotografia. Preserve suas memórias: elas são tudo que lhe é deixado”.

-Links:
The Sound of Silence:
Bookends Theme:
Bom proveito!

-THE SOUND OF SILENCE

“Hello darkness, my old friend,
Ive come to talk with you again,
Because a vision softly creeping,
Left its seeds while I was sleeping,
And the vision that was planted in my brain
Still remains
Within the sound of silence.

In restless dreams I walked alone
Narrow streets of cobblestone,
neath the halo of a street lamp,
I turned my collar to the cold and damp
When my eyes were stabbed by the flash of
A neon light
That split the night
And touched the sound of silence.

And in the naked light I saw
Ten thousand people, maybe more.
People talking without speaking,
People hearing without listening,
People writing songs that voices never share
And no one deared
Disturb the sound of silence.

Fools said i,you do not know
Silence like a cancer grows.
Hear my words that I might teach you,
Take my arms that I might reach you.
But my words like silent raindrops fell,
And echoed
In the wells of silence

And the people bowed and prayed
To the neon God they made.
And the sign flashed out its warning,
In the words that it was forming.
And the signs said, the words of the prophets
Are written on the subway walls
And tenement halls.
And whisperd in the sounds of silence.”


BOOKENDS THEME

“Time it was, and what a time it was, it was
A time of innocence, a time of confidences
Long ago, it must be, I have a photograph
Preserve your memories, they're all that's left you”

#10 - ... E verde crescia o lírio por entre os arbustos."


Designou-se “Celta” todo um conjunto de diversas tribos que espalharam-se a povoar o noroeste europeu a partir de 2000 A.C. Mais tarde, a maior parte destas tribos foi conquistada pelos romanos, e sua cultura passou por sérios abalos.

Ainda assim, a música Celta atravessou o tempo, e na segunda metade do século 20 eclodiu para o mundo, embora imbuída de alguns elementos modernos.

A música sugerida vêm mostrar o lado mais essencial da música celta. Trata-se de uma interessante canção tradicional, cuja origem (como a grande maioria de nossas manifestações folclóricas) é um tanto incerta e desconhecida.

Na atualidade esta canção é executada principalmente por um homem chamado Christy Moore, por quem ela é mais conhecida. Só que a versão escolhida é especial: trata-se da performance apaixonada de um ator durante a cena de abertura do filme “Em Nome de Deus”.

O único instrumento executado aqui é o bodhrán, espécie de tambor que em 1603 era usado pelo exército irlandês como bateria de guerra para organizar a formação dos soldados. O bodhrán só popularizou-se mesmo como instrumento musical a partir de 1950, sendo utilizado por diversas bandas e grupos ao redor do mundo.

Link:

Bom proveito!

The Well Bellow The Valley

"A gentleman was passing by
He stop for a drink as he got dry
The well below the valley-o
Green grows the lily-o
Right among the bushes-o

My cup is full up to the brim
If I were to stoop I might fall in
The well below the valley-o
Green grows the lily-o
Right among the bushes-o

He said, Young maid you're swearing wrong
For six young children you had born
The well below the valley-o
Green grows the lily-o
Right among the bushes-o

If you be a man of noble fame
You'll tell to me the father of them
The well below the valley-o
Green grows the lily-o
Right among the bushes-o

There's two buried 'neath the stable door
The well below the valley-o
Green grows the lily-o
Right among the bushes-o

I'll be seven years a-ringing the bell
But the lord above may save my soul
From burning in hell
Green grows the lily-o
Right among the bushes-o"