segunda-feira, 12 de maio de 2008

#24 - Amores Vêns, Amores Vãos...


E Otto Preminger com certeza devia ter pensado: “esse homem acha que sabe mais sobre o filme do que eu?!

Ele dirigia, em 1944, o filme noir “Laura”, e já vinha sofrendo diversos palpites do mestre compositor David Raksin (1912 – 2004). O principal deles havia sido a respeito de uma cena que o diretor Otto encurtara, por achar longa. Nela, o protagonista, um detetive que investiga o suposto assassinato de uma belíssima e rica mulher, entra no apartamento desta, e passa a caminhar e observar todos os cômodos, até deter-se aparvalhado, diante de seu retrato.

O compositor Raksin chamou a atenção de Otto para o peso psicológico da cena, imprescindível para estabelecer na mente de todos o conflito de um homem apaixonando-se perdidamente por uma mulher supostamente morta. Na verdade Laura aparece viva logo em seguida, mas Raksin percebeu que a fotografia do filme (único Oscar que a obra levou) causava-lhe uma grave impressão de ilusão, que o levava a questionar constantemente sua razão quanto à real existência daquela mulher, durante todo o filme. Otto acatou o conselho, e sua indicação ao Oscar veio.

Ainda assim, durante o processo, outro impasse surgia quanto à trilha sonora do filme. Otto desejava utilizar como tema uma canção famosa chamada “Sophisticated Lady”. Raksin novamente meteu seu glorioso bedelho, perguntando a Otto que conexão ele via entre a personagem Laura e aquela canção. Como resposta, Otto apenas disse: “Bolas... se é assim, então me apareça até segunda-feira com algo melhor! Senão eu uso esta mesmo!”. Era sexta-feira.

É aqui, então, que ocorre um dos mais tocantes fatos da história da música para cinema. Raksin passou a sexta e o sábado compondo diversos temas, sem satisfazer-se com nada. Decidindo relaxar por um momento, saiu para um breve passeio no domingo, e ao chegar em casa, deparou-se com uma carta de sua esposa, e no envelope: “Dear David”. Pegou a carta e guardou-a no bolso, indo direto ao piano, afinal tinha muito trabalho pela frente. Ainda assim, seu bloqueio criativo frustrou-o por vários minutos.

Em dado momento, Raksin decide fazer algo que costumava ajuda-lo em momentos assim. Gostava de colocar diante de si uma foto bonita, ou um poema, para deixar a mente vagar e assim a criatividade surgir. Lembrou-se da carta de sua esposa, e animou-se. Pegou-a do bolso e abriu. Ao ler, tomou um choque: sua esposa o estava deixando. Estranhamente, como que por uma agoniosa mágica, a primeira coisa que ele fez foi pôr a carta diante de si e tocar os primeiros acordes que viriam a tornar-se uma das canções cinematográficas mais belas e regravadas:

David Raksin – Laura:
http://www.youtube.com/watch?v=Baj5Q7H5q6s

Nesta versão, ela é interpretada por Carly Simon, cantora de altíssimo reconhecimento internacional, cuja ligação com o sentimento de Raksin relacionado à criação de “Laura” pode ser especial, já que o florescimento de sua carreira envolveu uma separação dolorosa relacionada a casamento (o de sua irmã, com quem formava uma dupla), que seu primeiro álbum solo trata sobre casamento, e que o seu próprio com o grande gênio folk James Taylor não perdurou.

Aproveito, então, para linkar uma música de Carly, do álbum homônimo de 1987. A música é uma surpresa, já que o aparente pop romântico ganha boas caras por tratar de esperança e de família, numa temática que diz mais ou menos: ainda que tudo sempre mude, se você estiver disposto a jogar o jogo, as coisas boas sempre encontrarão um modo de voltar.

Carly Simon – Coming Around Again:
http://www.youtube.com/watch?v=AZ_X4DeEcKk


Bom proveito!

(E créditos do título do post à poetiza Mariana Campos)

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