terça-feira, 27 de maio de 2008

#27 - O Cavalheiro Solitário


Era uma noite de muita expectativa na cidade de Hamburgo. Era 1848. Um jovem virtuose do piano, de apenas quinze anos, estava para dar seu primeiro concerto público, organizado por ele próprio.

A sala encheu-se, e o pianista agitou os ânimos da platéia com um repertório cheio de agilidade e obras do gosto popular. Foi um sucesso estrondoso. O jovem músico, apalermado com a situação, do tipo que nunca vivera, estava nos bastidores a tomar fôlego, quando um homem entrou no recinto feito um furacão. O rapaz voltou-se para ele, e em sua hipnose extasiante abriu os braços para receber uma suposta congratulação calorosa. Mas Eduard Marxen, seu mestre, agarrou-o pelo paletó e o sacudiu:

- O que pensa que está fazendo, Johannes?
- O que foi, mestre? –
assustou-se o jovem.
- É isto que você quer? Afundar nesse lodo de sorrisos e sucessos, enquanto joga fora sua alma para agradar todo mundo com esse monte de lixo?

Johannes teve um choque. Era o indivíduo mais sincero e humilde que o mestre Marxen conhecia. Queria ser compositor, mais do que tudo, e deixara-se levar, tão fácil, pela ilusão do sucesso barato. A partir de então, continuou estudando a fundo, e passou a finalizar suas primeiras obras oficiais.

Joseph Joachim, um grande violinista da época, após fazer algumas apresentações com Johannes, ficou maravilhado com seu talento, e logo arranjou-lhe uma carta de apresentação para que Johannes conhecesse Franz Liszt, pianista e compositor aclamado como o mais espetacular virtuose da época. Assim, o pobre rapaz viu-se, de repente, enfurnado numa sala em Weimar, junto de célebres convidados e diante do grande Franz Liszt. O clima de sofisticação e superficialidade que cercava o momento deixou Johannes um tanto perturbado. Liszt já havia tido contato com algumas obras de Johannes, e pediu que ele tocasse alguma delas para todos. O pedido foi gentilmente recusado, mas Liszt, sem fazer-se de rogado, pegou uma das partituras e tocou ele mesmo. Os convidados ficaram encantados, e Liszt, empolgado, anunciou:

- Vou agora tocar uma de minhas peças para que você conheça. – E executou uma de suas obras mais espetaculares, tirando o fôlego dos que ali estavam. Ao terminar, sorrindo, virou-se para analisar a expressão de Johannes Brahms, e teve um choque ao notar que ele estava cochilando na poltrona.

Brahms não teve mais contato com Liszt, pois não estava afeiçoado a todo aquele movimento de “grandiosidades” e “revoluções musicais” que reinava em Weimar. Suas obras eram tidas como puras, profundas e sentimentais, e eram criticadas e rejeitadas por toda a horda de seguidores (entre músicos, estudiosos e críticos) que julgavam-se apreciadores da verdadeira música: a que Richard Wagner e Franz Liszt estavam fazendo.

Anos se passaram, até que Brahms conheceu aquela que seria seu grande amor e inspiração: Clara Schumann. Pianista excepcional, Clara era esposa de Robert Schumann, que tornou-se grande amigo e apoiador de Brahms, mas tomado pela insanidade, foi posto num manicômio, onde veio a falecer.

Brahms passou a ser um grande sustentáculo, então, para Clara. Devotou-lhe a mais pura e sincera amizade, e jamais aproveitou-se da falta de Robert. Na mesma época, sua carreira passou a piorar, com sucessivos fracassos de suas músicas. O compositor entrou numa grande onda de tristeza.

Mas foi no mais fundo de sua depressão que Brahms encontrou a saída, ao compor, num relâmpago de ânimo, uma obra inesquecível. E quando sua Terceira Sinfonia estreou, nem os ferrenhos seguidores de Wagner e Liszt puderam ficar alheios a seu poder. Era a redenção do espírito, do compositor mais gentil, solitário e humilde que a história já conheceu: Johannes Brahms.

No aniversário de 65 anos de Clara Schumann, Brahms saiu para comprar flores, mas encontrou a loja fechada. Voltou para casa, e decidiu dar a ela, de presente, a partitura do Terceiro Movimento desta Terceira Sinfonia.

Esteja pronto para o tema principal, tido como o mais belo de toda a obra de Brahms, pois em alguns pode causar profunda tristeza, noutros o escuro da solidão, e noutros ainda o vislumbre da beleza do desconhecido. A obra resume a alma do artista, imbuindo-se de diferentes atmosferas, que intercalam-se de modo bastante sutil, hora imprimindo mistério, hora um ensaio de sorriso.

“Johannes Brahms – Terceira Sinfonia, Terceiro Movimento”:
http://www.youtube.com/watch?v=aNQSzTyvDw4&feature=related

E essa é pra relembrar os sonos da infância:
“Johannes Brahms – Lullaby”:
http://www.youtube.com/watch?v=t894eGoymio

- “Não posso compor como Beethoven, ou como Mozart, mas que eu possa ser puro como eles.”

Bom proveito!

1 comentários:

Anônimo disse...

Ôpa! Estou de volta a essa página que já se tornou um vício para mim, face às excelentes matérias nela publicadas.

Parabéns mais uma vez ao Gustavo!!

Grande abraço!