segunda-feira, 31 de março de 2008

#9 - "É qui eu tô cum a unha lascada, di modo que ceis disculpe qualquer erro..."


Elomar Figueira Melo (1937), setentão do sertão de Vitória da Conquista, teve infância miserável, mas a pobreza ficou apenas no material. Desde a adolescência, misturava-se com os cantadores e intelectuais da região, e já aos dezessete escrevia suas primeiras partituras.

Elomar solidificou-se na música brasileira com um estilo em que o erudito dita as regras, mas em que a beleza das canções acaba por criar uma sutil parcela de popularidade, alcançando não só um público mais esclarecido, mas também indivíduos que estejam tangendo um patamar acima do popular simplório. Sobre ter uma relativa fama, mas ainda estar muitíssimo longe das massas, Elomar é bastante enfático:

"Nunca tive intenção de que minha música fosse profanada pelas massas. O povo é alimento para políticos demagogos, já viu uma turba atrás do trio elétrico? Não é gente, é um rebanho, uma manada de zebras".

Contrariando muitos dos artistas populares brasileiros, aos quais facilmente atribuímos papéis políticos (e até os próprios o fazendo através de suas músicas), Elomar afirma que a arte deve ser um meio de expressão do universo do artista e de Deus. Assim sendo, suas belíssimas canções são sempre um turbilhão inflamado de cenários vistos e histórias vividas... As dores da seca, o rio Gavião, as andanças de cantoria... e a puríssima linguagem de sua nataleza (como ele mesmo diria...).
Bom proveito!

Elomar – Campo Branco” (cantado por Alba Graça):
http://www.youtube.com/watch?v=V7hvmi3iBAU

“Campo branco minhas penas que pena secou
Todo o bem qui nóis tinha era a chuva era o amor
Num tem nada não nóis dois vai penano assim
Campo lindo ai qui tempo ruim
Tu sem chuva e a tristeza em mim

Peço a Deus a meu Deus grande Deus de Abraão
Prá arrancar as penas do meu coração
Dessa terra sêca in ança e aflição
Todo bem é de Deus qui vem
Quem tem bem lôva a Deus seu bem
Quem não tem pede a Deus qui vem

Pela sombra do vale do ri Gavião
Os rebanhos esperam a trovoada chover
Num tem nada não também no meu coração
Vô ter relampo e trovãoMinh'alma vai florescer
Quando a amada e esperada trovoada chegá
I antes da quadra as marrã vão tê
Sei qui inda vô vê marrã parí sem querer
Amanhã no amanhecer
Tardã mais sei qui vô ter
Meu dia inda vai nascer
E esse tempo da vinda tá perto de vim
Sete casca aruêra contaram prá mim
Tatarena vai rodá vai botá fulô
Marela de u'a veis sóPrá ela de u'a veis só.”

“Elomar – Arrumação” (pelo próprio):

“Josefina sai cá fora e vem vê
Olha os forro ramiado vai chuvê
Vai trimina riduzi toda criação
Das bandas de lá do ri gavião
Chiquera pra cá já ronca o truvão
Futuca a tuia, pega o catadô
Vamo planta feijão no pó
Futuca a tuia, pega o catadô
Vamo planta feijão no pó
Mãe purdença inda num cuieu o ai
O ai roxo dessa lavora tardã
Diligença pega panicum balai
Vai cum tua irmã, vai num pulo só
Vai cuiê o ai, o ai da tua avó
Lua nova sussarana vai passá
Sêda branca, na passada ela levô
Ponta d´unha, lua fina risca o céu
A onça prisunha, a cara de réu
O pai do chiquêro a gata comeu
Foi um trovejo c´ua zagaia só
Foi tanto sangue que dá dó
Os cigano já subiro bêra ri
É só danos, todo ano nunca vi
Paciênca, já num guento as pirsiguição
Já só caco véi nesse meu sertão
Tudo que juntei foi só pra ladrão.”

2 comentários:

Anônimo disse...

Fantástico.

Elomar é excelente, um compositor "sui generis", um poeta dos sertões.

Acho que Elomar é para a música o que Gumarães rosa representa para a literatura.

Abraço.

Anônimo disse...

Elomar é mesmo bom demais!!!

E seu blog é bastante interessante!

Parabéns!