quinta-feira, 10 de abril de 2008

Escutar Música & Ouvir Música


Em algumas conversas com amigos (especificamente as que motivaram a criação desta série de postagens), de tempos atrás, parecia surpreende-los eu dizer que detestava ouvir música enquanto fazia outras coisas. Em suma, que gostava mesmo é de dedicar exclusividade ao ato de ouvir música.

A princípio isto pareceu uma mera característica, mas passei a questionar o quanto prejudica nossa capacidade de percepção, concentração e sensibilidade o hábito terrível (e ingenuamente elogiado como “moderno”) que nós temos de fazer várias coisas ao mesmo tempo.

Na verdade, se eu tentar pensar neste exato momento em alguém entre meus conhecidos que tenha o costume de dedicar algum tempo somente para ouvir música, não vou lembrar de uma alma sequer... O que vejo por toda a parte são pessoas enfiando melodias no ouvido enquanto correm pela rua, dormem no ônibus, lêem(!), conversam ou curtem com os amigos etc..

A música atualmente é um mero acessório secundário, e não é à toa que nossa sensibilidade e capacidade de percepção estejam cruelmente atrofiadas, fato que constata-se facilmente observando o entretenimento de massa; o cinema, por exemplo, cujos filmes “pipoca” precisam ter cenas cada vez mais chocantes e explosivas, sons cada vez mais altos e sofisticados pra que a platéia sinta um mínimo de “cócegas” em seus espíritos, e cujos diretores precisam inventar formas mais esquisitas de bagunçar imagens, trepidar câmeras e misturar pirotecnias pra atordoar o público e ser chamado de “o novo gênio”.

Estamos vivenciando um momento crítico na arte, já que o propósito primordial da cultura de massa é causar sensações em vez de sentimentos, e chocar ou excitar em vez de emocionar. Amar é sinônimo de fazer sexo, dizem nossas grandes "estrelas", e nós só acreditamos porque é fácil... a aspirina da alegria instantânea.

Ainda que mergulhados neste pântano de miojos artísticos, sabemos sentir o outro lado, ainda que não conscientemente, e aí devemos agarrar nossas esperanças... Por que ainda conseguimos nos encantar às lágrimas com “Como Era Verde Meu Vale”, ou com “Ladrões de Bicicletas”, ou com o inacreditável e paradoxal minimalismo de “Perfume de Mulher”? Porque a riqueza neles volta-se ao humano. Neles, as câmeras não tremem, e podemos ver as pessoas. Os efeitos inexistem, e podemos sentir as pessoas. Assim o é porque a obra nunca supera o criador, e porque algumas obras tem o privilégio de mostrar os criadores. E porque a humanidade ainda nada conhece de mais belo que o espírito humano e a natureza.

A música é o caminho mais curto e direto de que nós dispomos para obter contato conosco mesmos, com nossa essência e todo o nosso conteúdo. E será que é por isso que nos distraímos enquanto a ouvimos? Por medo de ter consciência de nossos conflitos e receios? Nós, seres tolos e infelizes, temos tanto medo assim da cura?...